21.12.15

Kyrie

Christophe Boisvieux

Em nome dos que choram,
Dos que sofrem,
Dos que acendem na noite o facho da revolta
E que de noite morrem,
Com a esperança nos olhos e arames em volta.
Em nome dos que sonham com palavras
De amor e paz que nunca foram ditas,
Em nome dos que rezam em silêncio
E estendem em silêncio as duas mãos aflitas.
Em nome dos que pedem em segredo
A esmola que os humilha e os destrói
E devoram as lágrimas e o medo
Quando a fome lhes dói.
Em nome dos que dormem ao relento
Numa cama de chuva com lençóis de vento
O sono da miséria, terrível e profundo.
Em nome dos teus filhos que esqueceste,
Filho de Deus que nunca mais nasceste,
Volta outra vez ao mundo!


José Carlos Ary dos Santos
In: Vinte Anos de Poesia, 1963-1983. Lisboa: Distri, 1983, p. 21 




Com uma prece ou um cântico de Natal preso na voz desejo-vos 
BOAS FESTAS.

15.12.15

Lado a lado com os poemas

Alfredo Cunha

Lado a lado com os poemas desenrolo
nas entrelinhas um glossário reticente
para dizer o que dói neste país de mar
onde se sobrevive amarrando
os pulsos às fragas.
Pesa-me no peito a fadiga das mãos
enrugadas e o choro silencioso
das mães com a fome no colo.
Ferem-me a boca os gritos mudos
em que se desfazem os sonhos
adolescentes previstos no destino.
Há por todo o lado palcos improvisados
onde, em bocas distorcidas, se anunciam
perigos e presságios, ameaças e avisos.
Este é um país de sombras tão baldias
que magoa.

Graça Pires
De Uma claridade que cega, 2015

7.12.15

Em seara alheia



Folhas secas

E quando os meninos da escola
atraídos pela luz inconfundível do outono
vierem procurar folhas secas,
encontrarão palavras.
Umas baloiçando em meios círculos
bêbadas de prazer,
outras tapetes de cores estendidas ao sol
umas vendaval outras brisa, umas lume outras água.

Hão de querer colecioná-las, os meninos,
hão de querer colá-las em forma de poema
numa página do caderno.
Hão de ficar espantados
quando os pássaros vierem
fazer ninho na folhagem dos poemas
ali plantados.

                                          
Lídia Borges
In: Baile de cítaras. Macedo de Cavaleiros: Poética, 2015, p. 18