28.3.15

Tristeza


Federica Erra

Deixámos para trás a geografia 
dos sonhos luminosos 
porque as noites são líquidas 
e, de rosto enconchado 
em nossas mãos 
choramos o aroma 
quase magoado das madressilvas.

Graça Pires
De Caderno de significados, 2013

25.3.15

HERBERTO HELDER (1930-2015)





Pratiquei a minha arte de roseira: a fria
inclinação das rosas contra os dedos
iluminava em baixo
as palavras.
Abri-as até dentro onde era negro o coração
nas cápsulas. Das rosas fundas, da fundura nas palavras.
Transfigurei-as.
Na oficina fechada talhei a chaga meridiana
do que ficou aberto.
Escrevi a imagem que era a cicatriz de outra imagem.
A mão experimental transtornava-se ao serviço
escrito
das vozes. O sangue rodeava o segredo. E na sessão das rosas 

dedo a dedo, isto: a fresta da carne,
a morte pela boca.
- Uma frase, uma ferida, uma vida selada.


Herberto Helder
In: ou o poema contínuo. Lisboa: Assírio & Alvim,  2004, p. 468

19.3.15

Poema


Não procures o poema, me disseste.
Deixa que ele venha por sinuosos trilhos, 
ou pelo riso das crianças, 
ou pelo cantar dos pássaros, 
ou pelo nome rasurado dos mortos, 
ou pelo transparente caminho do coração.
Graça Pires
De Caderno de significados, 2013

3.3.15

Cumplicidades

David Hill e Robert Adamson


Não gosto de me vestir com cor laranja, disseste. 
Sentes-te mundana, libertina. 
Com uma euforia que não habita 
o teu olhar aprisionado de sombras.

Graça Pires
De A incidência da luz, 2011