31.7.13

Na estiagem



Tão íntimo das nascentes, o verde das veredas
desfaz-se em cinza quando as serranias
ondulam o lume sobre o chão.
Na estiagem há-de ouvir-se o murmúrio
agonizante dos rios já perdidos do mar.
E quando o inverno chegar, os caudais galgarão
as margens se o excesso de cimento consentir às águas
que firam as casas e a estreiteza dos caminhos.

Graça Pires
De Uma vara de medir o sol, 2012

23.7.13

Com o silêncio emboscado na voz

Ana Pires


Com o silêncio emboscado na voz
uma mulher atravessou um impossível retorno
rente a horários sem sentido.
Na linha das marés o magoado vértice das sombras
desenhava a solidão dos barcos destruídos.
Como se um frio de aço mutilasse todas as esperas.

Graça Pires
De Uma vara de medir o sol, 2012

14.7.13

Pressinto a hora dos naufrágios

Joakim Eskildsen


Sobre a linha do horizonte sulco 
a tristeza que se apodera da noite 
pela extrema possibilidade da mudez. 
Pressinto a hora dos naufrágios 
em meus lábios onde rangem 
os cascos dos barcos sem rota. 
Tenho nos joelhos a turbulência das marés. 
E fico com os dedos arroxeados 
como se remasse dias a fio 
até amainarem os ventos. 
Quando a cegueira me exigir, 
posso olhar a minha sombra sem medo do luto. 

Graça Pires 
De A incidência da luz, 2011

7.7.13

Segredo

Manuel Fazenda Lourenço


Sem horas. Sem coordenadas. 
Sem pontos de referência. 
Sem pressa nem vagar. 
Diz só onde me esperas 
na véspera do verão que inventaste 
para clandestinamente nos amarmos.

Graça Pires
De Cadernos de significados, 2013