24.1.13

Das mais antigas dores

Josef Koudelka

Do lado distante das noites, a lua acesa
sobre os muros ilumina o rosto daqueles
que sempre entenderam o trajecto
escolhido pelos pássaros e pelos rios
e pelos amigos que nunca voltaram.
Os dias foram cerzindo em seu olhar
o caminho esquecido das mais antigas dores,
onde guardam agora o destino de suas mãos
declinadas sobre as estacas.

Graça Pires
De Uma vara de medir o sol, 2012

14.1.13

Um barco que agarre a alvorada



Seguro um marcador lilás para desenhar um barco
que agarre a alvorada em seu instante breve.
Como ajustar aos dedos o rumo da proa
quando as mãos precárias
se entregam ao fascínio das vagas?
Há muito que partiram os caminhantes
em busca de  locais desconhecidos
deixando para trás a memória da cal sobre as casas.
Há muito que regressaram os barcos incertos
e os homens: aqueles que abrigavam no olhar
o lugar onde nasceram.
Agora todas as noites podemos ouvir
a respiração dos navios
que costeiam as casas recém-pintadas
como se um regozijo lhes roçasse os mastros.

Graça Pires
De A incidência da luz, 2011

7.1.13

A sedução da fuga



Seguimos pela noite indiferentes
a todos os ruídos que rebentam
o rigor do silêncio.
Temos nos punhos a navalha afiada
do tempo rasgando diante de nós
o túnel da eternidade.
Vamos até onde nos leve a sedução da fuga.
Queremos avistar o destino das aves
que trazem a luz das auroras riscada em suas penas.

Graça Pires
De Uma vara de medir o sol, 2012