5.4.12

Um requiem pelos sonhos

Manuel Fazenda Lourenço

Refazemos o tempo nocturno no mais escondido olhar
para que ninguém veja os passos em falso
com que trilhamos o destino.
Olhamos o carvão apagado, como se fosse possível
encontrar a noite debaixo da trempe
onde, no tempo antigo, se poisavam as panelas
e se procurava a promessa de um lugar à mesa.

Contra o silêncio lemos a meia voz: ponham laços
de crepe nos pescoços das pombas da cidade.
Que os polícias de trânsito usem luvas pretas
de algodão. Voltamos a ler e as palavras de Auden
ecoam como um requiem pelos sonhos
profanados em mãos funestas.
Depois não sabemos como evitar o luto,
ou a culpa, ou a solidão.

Graça Pires
De A incidência da Luz, 2011