22.12.07

O Natal

Giotto


A festa encenada num presépio familiar
como um anúncio excessivo.
Não é fácil rotular a mensagem de um Deus
comprometido com a humanidade,
que precisou das fraquezas do homem
para se cumprir. Não é fácil.
Por isso, em todos os pinheiros,
há, agora, uma estrela a inquietar o mundo.


Graça Pires
De Ortografia do olhar, 1996

FELIZ NATAL E UM BOM 2008

16.12.07

Um encontro




Deambulei em volta do mundo,
à procura do lado mais selvagem da noite.
Encontrei-te no lugar onde o arco-íris
entorna o excesso de cor.
Havia, no teu olhar, um sinal
de sentido obrigatório,
uma passagem secreta
ajustada ao desejo,
um brilho inocente e cúmplice
que aqueceu o tumulto dos meus olhos.
Subleva-se, agora, um rio no meu corpo,
enquanto, à flor da pele, a urgência da sede,
toma o pulso dos dias
e redime a mendicidade das mãos.


Graça Pires
De Ortografia do Olhar, 1996

10.12.07

Chamando um verso




Não relembrar os campos
mas o múltiplo verde entranhado no olhar.
Dizer quero ser feliz com a boca grávida de espanto,
como se fosse possível lembrar a hora de nascer.
Regressar à liturgia do silêncio
com palavras perturbadas chamando um verso.


Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997

6.12.07

O fascínio da lua



Mais perto da infância, anda no ar
uma nova relação com a felicidade.
Cada manhã evoca o cantochão
inaugural da vida
e, nem as pequenas perturbações,
toldam o fascínio da lua nos meus olhos
consumidos de procurar a luz.


Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997

3.12.07

Deixo-me guiar

Pascal Renoux


Deixo-me guiar pela cor
indefinível das marés.
Enrolo, em cada frase,
toda a areia da praia,
para ancorar as mãos.
Panos de luto nas velas
de um navio assinalam
a solidão dos pássaros
quando a tempestade
lhes aprisiona as asas.


Graça Pires
De Não sabia que a noite podia incendiar-se nos meus olhos, 2007