30.11.07

Diz-se

Magritte

Diz-se que um homem ficou louco
porque lhe pintaram na testa
um pássaro sem asas.

Graça Pires
De Outono: lugar frágil, 1993

27.11.07

Nómada da noite

Todd Gipstein

Nómada da noite, entro no coração do texto,
para dizer o exílio nos olhos de Ulisses.
Tenho a idade dos barcos que sonhei.
Um traço de infortúnio atravessa meus lábios,
espessando o sangue que, nas veias, vai cerzindo
a distância que me separa do absurdo.
Há quem enlouqueça a olhar o mar,
com barcos sangrando sobre as costas.


Graça Pires
De Uma certa forma de errância, 2003

26.11.07

PRÉMIO

O Vieira Calado poesia de vieira calado teve a gentileza de me oferecer este prémio.

O regulamento:
Eis os parâmetros inerentes à condição:
1. Este prémio deve ser atribuído aos blogs que consideras serem bons,entende-se como bom os blogs que costumasvisitar regularmente e onde deixas comentários.
2. Só e somente se recebeste o prémio “Diz que até não é um mau blog”,deves escrever um post:- Indicando a pessoa que te deu o prémio com um link para o respectivo blog;
- A tag do prémio;
- As regras;
- E a indicação de outros 7 blogs para receberem o prémio.
3. Deves exibir orgulhosamente a tag do prémio no teu blog,de preferência com um link para o post em que falas dele.
Indico os seguintes blogs:

a luz do voo
cabana de palavras
Largo da Memória
Linha de Cabotagem
Menina Marota
PIANO
Plan(o)Alto

25.11.07

Contra a violência

ABAIXO A VIOLÊNCIA DE GÉNERO :
HUMANIDADE NÃO TEM SEXO !!




É preciso reagir. Não ter medo. Ter coragem para denunciar.




E aqui estou à espera!...
-- com este destino
de dar sombra aos muros...

Mas à espera de quê?

Que o despenhar no abismo
me crie enfim asas?

José Gomes Ferreira

22.11.07

Era novembro

Almada Negreiros
Pelo lado interior do tempo
assinalo, com traços de luz,
a cidade litoral onde nasci,
rente à fragilidade do outono.
Era novembro
e uma estranha sede
pairava sobre a terra,
ávida de líquidas paisagens,
quando minha mãe
me tomou nos braços
e disse: esta é a minha filha.
O seu corpo doía de tanta comoção.


Graça Pires
De Não sabia que a noite podia incendiar-se nos meus olhos, 2007

18.11.07

Em busca da própria voz

Picasso


De madrugada, encho folhas de papel
com um discurso sem vestígios da noite.
Inspiro-me na leveza do ar
sobre o meu peito feito cais de embarque
para uma fuga sem aviso
em busca da própria voz.


Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997

15.11.07

Ser solidário



Um diálogo. Um aceno. Um afago.
Um rio a sobrar-nos nos olhos,
quando a pátria conflui
a sul de todo o desalento
e nenhum silêncio é legítimo
para calar os medos;
quando os dias se tornam
intrusos da vida, e nada é gratuito,
a não ser a espera, nas mãos
entreabertas à revolta;
quando resistir é atravessar a desértica
secura da memória, com pássaros
de sede doendo na boca.
Não ceder. Não ceder por dentro do sonho.
Não ancorar o rosto no lugar-comum dos preconceitos.
Viver sem rendições, é o desafio
que nos cabe por inteiro.
Sabemos isso, solidários que somos

neste contrabando de afectos e coragem.

Graça Pires
De Ortografia do olhar, 1996

12.11.07

8.11.07

Do lado mais perfeito do silêncio

Nichy Willcock


Do lado mais perfeito do silêncio
seguro as palavras, ombro a ombro,
como um vício inexplicável.
Deixem-me refazer as noites
da inocência, para que a caligrafia
não apodreça nos meus dedos.
Um brilho oblíquo, escurece,
em meu olhar, um tempo diferido,
que condena e absolve qualquer erro.


Graça Pires
De Não sabia que a noite podia incendiar-se nos meus olhos, 2007

5.11.07

Improviso uma ilha

John Miler


Na periferia da manhã, levemente adiada,
improviso uma ilha.
Tão nua como páginas em branco.
E concedo-me o direito de esperar Ulisses.
A minha fronte marcada com palavras sem destino.
O teu rosto, longamente procurado,
não tem búzios, nem conchas, nem corais.
Na praia, até então intacta,
sinto a luz de teus passos.
Ou será uma onda fugitiva,
a tornar transparente a tua ausência ?


Graça Pires
De Uma certa forma de errância, 2003

3.11.07

Desafio


A Helena da Linha de Cabotagem passou-me este desafio. Aceito-o.

1. Pegar num livro que se tenha à mão.
2. Abrir na página 161.
3. Procurar a 5ª frase completa na referida página.
4. Identificar o livro e o/a autor/a do mesmo.
5. Passar o desafio a cinco bloggers.

Eu podia ter sido um homem
que partiu para sempre.

Tinha-se cansado e agora, lentamente,
começava a acordar para a imensidão
do que abandonara.”

Yukio Mishima
O marinheiro que perdeu as graças do mar

Não sei a quem passar o desafio, pois já o vi em imensos blogues. Deixo-o a todos os que me visitam. Se quiserem aceitá-lo...

1.11.07

É novembro



Ao cair da tarde, anda no ar o olhar dos deuses.
É novembro. A folhagem dissipa
a monótona semelhança das pedras.
Os crisântemos têm vogais errantes
que desconhecemos, como seres mortais.
Rente a um gráfico de promessas excessivas,
soletramos a enorme leveza do silêncio :
Canto gregoriano impresso na garganta.
Começo da sedução no feno dos olhos.
Rua sem sentido em forma de coração.


Graça Pires
De Labirintos, 1997